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terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Verde com pragmatismo

A biodiversidade brasileira é uma das mais ricas do mundo. As espécies que formam nossa fauna e flora são tão numerosas que já observamos por diversas vezes o anúncio da descoberta de uma nova planta, de um novo pássaro, de um novo inseto. Trata-se efetivamente de um tesouro, e o desejo de defendê-lo e preservá-lo é legítimo.

Acontece que o Brasil não pode ser visto simplesmente como um santuário ambiental de proporções continentais. Aqui vivem 200 milhões de pessoas que precisam trabalhar, melhorar de vida, morar bem, locomover-se. Segundo o IBGE, apenas 27,7% do território nacional estão ocupados por agricultura, pecuária e atividades assemelhadas. As cidades, que hoje concentram cerca de 85% da população, não ocupam mais que 0,5% do território. A opção pelo radicalismo coloca em risco a produção que traz comida farta e barata à nossa mesa (o brasileiro gasta em média 18% da renda com alimentação; 30 anos atrás, essa proporção era de 48%), empurra pequenos produtores para a informalidade, fecha as portas para a realização de obras de infraestrutura fundamentais ao desenvolvimento do País e inviabiliza os empreendimentos urbanos. 

O primeiro Código Florestal, surgido no governo Castello Branco (1965), tinha um objetivo muito claro: proteger florestas existentes em propriedades privadas. De lá para cá, essa legislação sofreu diversas alterações, muitas delas de caráter retroativo, gerando grandes problemas para a agricultura e mesmo para o desenvolvimento urbano. No Nordeste, quase tudo ficou ilegal. No Vale do São Francisco, tudo é APP (Área de Preservação Permanente). Ao retroagir, a legislação criou impactos ambientais, econômicos e sociais. Precisamos ter isso em mente nas discussões sobre o Novo Código Florestal Brasileiro.

Por ocasião da última Convenção Secovi, realizada em setembro, essa questão foi debatida com o ecólogo, agrônomo e cientista Evaristo Eduardo Miranda, que conhece profundamente o território nacional e sua realidade. Atual coordenador do escritório de Análise de Imagens e Monitoramento por Satélites do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Miranda foi consultor da ONU na Conferência Mundial sobre Meio Ambiente, a Rio-92, e chefiou por 20 anos a Embrapa Monitoramento por Satélite. Em sua avaliação, o Brasil detém condições muito especiais em termos de áreas preservadas. Pelo menos 28% do território nacional são terras indígenas. O espaço ocupado pelo Exército equivale à área do estado de Sergipe. O Brasil é o país que tem mais regiões protegidas em todo o mundo, onde a média é de 10% do território. Quase 61% do nosso território é composto de vegetação nativa, rios, praias, mangues etc. 

Mas as propostas de mudança do Código Florestal Brasileiro não estabelecem, em nenhuma de suas versões, quaisquer diferenças entre meio rural e cidades. Não é justo ou razoável que as regras vigentes no município de São Paulo sejam aquelas delineadas pelo legislador que tinha em mente a preservação da Serra do Cipó! Isso é um desserviço à população.

Para dar uma contribuição de fato consistente ao País, a atual revisão do Código deve levar em conta a existência de diferentes realidades. No que tange especificamente à ocupação urbana, o setor imobiliário sabe que sustentabilidade é a grande pauta deste século. Os clientes do mercado valorizam e demandam empreendimentos alinhados com essa máxima universal. Há um entendimento comum quanto à possibilidade de preservar o ambiente, sem prejudicar o desenvolvimento econômico e social.

Há muito a fazer para que possamos requalificar espaços urbanos já existentes e planejar adequadamente a utilização de novas áreas, de forma ordenada e sustentável. O mercado está empenhado na adoção de condutas e indicadores que possam acompanhar e medir a sustentabilidade urbana. Tudo isso é positivo, e configura uma resposta aos anseios da sociedade moderna. Leis paralisantes tolhem esses processos que são naturais e saudáveis, substituindo-os por atraso, retrocesso e ilegalidade – basta um passeio por alguns bairros afastados na própria capital paulistana para que constatemos o grande número de loteamentos clandestinos e de moradias precárias existentes em áreas que, teoricamente, são “áreas de preservação”.

Também fazem falta políticas públicas que estimulem as práticas sustentáveis por meio de incentivos fiscais, a exemplo do que acontece em vários países. Com planejamento, legislação adequada, fiscalização eficiente e recursos mais abundantes, o acesso da população à moradia de qualidade e a um ambiente urbano mais humanizado e sustentável será mais rápido e menos custoso.

Em nome das gerações futuras, precisamos urgentemente de mais sensatez e pragmatismo no tratamento dado às questões ambientais.

* Ciro Scopel é vice-presidente de Sustentabilidade do Secovi-SP

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