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quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

COP-17 e o Aquecimento Global: tragédia ou regulação dos ‘Bens Comuns’?

Um dos aparentes paradoxos da economia é que o valor de um produto não depende da sua utilidade. O diamante, por exemplo, tem pouca utilidade e é muito caro, enquanto o ar que respiramos é essencial para a vida, mas é gratuíto. Na verdade, o diamante é caro porque é escasso e exige muito trabalho para ser encontrado, lapidado, etc, enquanto o oxigênio é abundante e não requer trabalho para manter o simples e fundamental ato da respiração.
Além disto o oxigênio que respiramos não tem dono e a atmosfera é um bem comum da humanidade. É a atmosfera terrestre que protege a vida na Terra absorvendo os raios ultravioletas, aquecendo a superfície por meio da retenção de calor e diminuindo os extremos de temperatura entre o dia e a noite.

Mas como tem sido usado este bem comum?

Nínguem ignora o fato da humanidade estar usando a troposfera – camada que permite aos seres vivos respirar – da pior maneira possível. Além da poluição que provoca doenças respiratórias, as emissões de gases de efeito estufa (GEE) tem mudado a química da atmosfera e acelerado o fenômeno do aquecimento global, que possui enormes efeitos sobre a vida na Terra.

Existem autores que enxergam neste processo um conflito irremediável entre os interesses individuais e o gerenciamento do bem comum. A “Tragédia dos Comuns” é um conceito que considera que o uso irrestrito de um recurso finito (como o ar limpo) pode levar à sua degradação por conta de uma superexploração ou manejo inadequado. A Tragédia dos Comuns é um termo que ganhou repercussão com a publicação, em 1968, do artigo “The Tragedy of the Commons”, de Garrett Hardin. Para o autor, os regimes de propriedade comum não seriam sustentáveis, devido aos interesses antagônicos dos usuários.

Isto é, a racionalidade instrumental induz os agentes econômicos e as pessoas a retirar o máximo de proveito e colocar o mínimo de esforço pelo interesse do bem comum. Quando isto acontece, o bem comum estaria condenado pela superexploração do seu uso e pela falta de defesa coletiva da sua sustentabilidade.

Será que o aquecimento global será o resultado inevitável da “tragédia dos comuns”, decorrente da emissão desenfreada de gases de efeito estufa?

Se olharmos para a falta de resultados concretos das negociações anuais da Convenção do Clima (adotada na Rio/92), parece que o pessimismo de Hardin vai prevalecer. Como se sabe, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Cúpula da Terra ou Eco/92) estabeleceu a Conferência Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas que é um tratado internacional que tem como objetivo a estabilização da concentração de gases do efeito estufa (GEE) na atmosfera em níveis tais que evitem o aquecimento perigoso da temperatura média do Planeta. Porém, inicialmente, não foram fixados limites obrigatórios para as emissões de GEE e não havia mecanismos de controle das emissões. Mas ficou decidido que os atuais 194 paises membros da Convenção do Clima reuniriam-se anualmente nas reuniões chamadas Conferência das Partes (COP) para deliberar sobre as ações em defesa da atmosfera terrestre.

A primeira Conferência das Partes (COP-1) ocorreu na cidade de Berlim, em 1995, e nela foi firmado o Mandato de Berlim, no qual os países desenvolvidos (do Anexo I) assumiram maiores compromissos com a estabilização e redução das emissões de GEE. Na COP-3, ocorrida na cidade de Kyoto, em 1997, foi aprovado o Protocolo de Kyoto, que seguiu as diretrizes do Mandato de Berlim e estabelecia metas efetivas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa até o ano de 2012.

Como a concentração de GEE na atmosfera no final do século passado era conseqüência das emissões realizadas pelos países industrializados no passado, foi estabelecido o princípio das “Responsabilidades comuns, porém diferenciadas”. Ou seja, os países desenvolvidos deveriam arcar com as maiores responsabilidades na redução de GEE e na transferência de recursos aos países em desenvolvimento.

No entanto, diversos países desenvolvidos, entre eles os Estados Unidos, não ratificaram o documento, com a alegação de que isto prejudicaria o crescimento econômico nacional. Ou seja, em nome do interesse particular de alguns países, o bem comum da humanidade foi relegado para segundo plano.

Se este bem comum fosse interno a um determinado país (como no caso de um lago, de um rio ou de uma reserva ambiental), o Estado Nacional – que tem o monopólio da coerção – poderia, em tese e de forma democrática, utilizar a força da lei para defender o bem comum. Mas em nível internacional não existe um governo central e nenhuma entidade que possa, globalmente, se sobrepor à soberania nacional de cada um dos países do mundo.

Portanto, o combate ao aquecimento global e o controle das emissões de GEE dependem de Tratados Internacionais estabelecidos de maneira consensual entre todos os países membros da comunidade mundial.

Evidentemente, não é fácil se chegar a um acordo consensual entre tantos países com realidades econômicas e culturais tão diferentes. Principalmente, não é fácil conciliar os interesses particulares com o interesse global. Exatamente por isto que a teoria pessimista da “Tragédia dos Comuns” volta sempre a ficar em evidência, pois cada país busca a externalização dos custos e internalização dos benefícios do desenvolvimento.

Contudo, se as partes não entrarem em um acordo, o mundo vai sucumbir diante da degração ambiental e das mudanças climáticas. A única alternativa possível, portanto, é a continuidade das discussões internacionais, mesmo diante dos fracassos da COP-15, em Copenhague, ou da COP-16, em Cancun, México. Mas será que as COPs vão conseguir definir uma ação efetiva e conjunta?

Diante da aproximação da data de término do Tratado de Kyoto, esperava-se que a COP-17, em Durban, fosse capaz de apresentar uma alternativa viável para realmente reduzir a emissão de GEE, pois globalmente, as emissões aumentaram 50% desde 1992 e já existe a consciência de que o aquecimento global não pode superar 2º centígrados, pois, caso contrário, pode-se tornar realidade os cenários mais catastróficos. Porém a China não tem obrigações de corte de emissões e os EUA não assinaram o Tratado de Kyoto.

Portanto, os dois maiores poluidores ficam livres para continuar poluindo o Planeta.

Para complicar o princípio das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”, os países em desenvolvimento que eram cerca de um terço da economia mundial, em 1992, devem ultrapassar os países desenvolvidos em 2012 (PIB medido em poder de paridade de compra). A China já desbancou os dos Estados Unidos do posto de maior poluidor do mundo e a Índia vem no mesmo caminho, enquanto o Brasil prossegue em sua trajetória de destruição da Amazônia e do Cerrado (a Mata Atlântica já foi destruída no passado).

Além de tudo, a crise econômica dos países ricos tem servido de desculpa para se adiar o enfrentamento das questões ambientais. Toda vez que se agudiza os problemas sociais do desemprego e pobreza cresce a tendência de se adiar os problemas ambientais, afinal “os pobres seres humanos” devem ser os focos prioritários das políticas públicas. Assim, de desculpa em desculpa a “Tragédia dos Comuns” vai possibilitando a degradação da atmosfera e demais condições ambientais.

A COP-17, realizada em Durban, entre novembro e dezembro de 2011, reuniu cerca de 20 mil pessoas de 194 países e foi a mais longa reunião realizada até agora. Nada foi decidido, apenas se deliberou pela realização da COP-18, em 2012, no Qatar (um dos países com maior pegada ecológica per capita do mundo e que não se prima por práticas democráticas) e pelo adiamento das discussões para a busca de um acordo vinculante a ser definido até 2015, com metas obrigatórias de corte de emissões de gases de efeito estufa (GEE) a partir de 2020.

Ou seja, prevaleceu a lógica do ciclo político, pois os governantes dos 194 países do mundo precisam garantir vantagens econômicas para suas populações e não podem comprometer os recursos de curto prazo em nome do investimento de longo prazo no “Bem comum”. Em síntese, o que dá voto é dinheiro no bolso da população (para gastar em consumo) e não no controle do aquecimento global, que, além de tudo, os céticos (geralmente financiados pela industria do petróleo) dizem não ter causas humanas.

Não gostaria de dar razão a Garrett Hardin e à sua teoria “The Tragedy of the Commons”, mas as sucessivas COPs parecem que não foram feitas para resolver os problemas, mas sob encomenda apenas para protelar as decisões mais importantes, procrastinando as medidas necessárias para evitar o desastre que se anuncia a cada nova medição do aquecimento global e a cada nova estatística do processo de depleção acelerada dos recursos ambientais no mundo.

Porém, existem outras perspectivas teóricas e outras formas de ação que podem trazer alguma esperança sobre este difícil e complexo processo de negociação internacional. Segundo Elinor Ostrom, primeira mulher a ganhar o Prêmio Nobel de Economia: “são as instituições que determinam o sucesso do manejo dos recursos comuns”. Ela contesta a afirmação de que a governança de propriedades comunais necessariamente implica em uma “tragédia”. Ao contrário do pessimismo de Hardin, Ostrom tem uma visão otimista da possibilidade de governança dos Bens Comuns e suas análises são importantes para questões como o aquecimento global porque servem para discutir as formas de gerenciamento dos recursos naturais. Mas, evidentemente, não é fácil se chegar a uma governança comum e a formas institucionais eficientes para regular o bem comum que é atmosfera. Para tanto, é preciso ter boas informações e capacidade de mobilização dos interessados e envolvidos no problema.

Em junho de 2012, todos os países do mundo estarão reunidos na Rio + 20, cujo tema central é: “Economia verde, desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza”. Pelo estado atual das artes, não vai ser fácil se avançar substancialmente nesta Conferência, especialmente porque a Terra é um Bem Comum não só da espécie humana, mas de todos os seres vivos do Planeta. Qualquer solução possível vai exigir muito tempo e muita mobilização. Porém, precisamos acreditar que a tragédia pode ser evitada.

José Eustáquio Diniz Alves, colunista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

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