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terça-feira, 22 de novembro de 2011

Relatório da Comissão de Meio Ambiente no Senado pode comprometer bacias hidrográficas

Texto apresentado ontem (21) na Comissão de Meio Ambiente do Senado pelo Senador Jorge Viana ainda não corrigiu equívocos graves que demandarão veto da Presidenta Dilma, previstos em compromisso da própria Presidenta anunciado durante as eleições de 2010. Apesar de avançar em relação a alguns dos problemas apontados pela sociedade civil ao longo da tramitação no Senado, o texto do Senador Jorge ainda:

1 - reduz proteção ambiental por desobrigar (anistiar) de recomposição áreas de preservação permanente desmatadas ilegalmente até julho de 2008 em todos os tipos de APP, principalmente hídricas, comprometendo bacias hidrográficas consideradas críticas (com menos de 20% de cobertura vegetal); e

2 - permite a regularização de (anistia) desmatamentos posteriores a julho de 2008 mediante a redução da Reserva legal por meio do Zoneamento Ecológico Econômico e adoção do pousio em médias e grandes propriedades, medidas que servirão de estímulos a novos desmatamentos em todos os Biomas. Vejamos porque:


1 – Anistia e Redução de proteção ambiental com conseqüente comprometimento de bacias hidrográficas críticas:

No artigo 61, incisos I e II, o texto do Senador Jorge propõe que as APPs hídricas serão recompostas em no máximo 50% do valor atual. Em rios com até 10 metros de largura (inciso I) a APP desmatada terá que ser recomposta em 15 metros. No caso de pequena propriedade rural (até 4 Módulos fiscais) nem os 15 metros serão recompostos caso a APP afete mais do que 20% do imóvel. Pela Lei vigente a recomposição tem que ser de 30 metros. Segundo a SBPC haverá comprometimento de mais de 55% da malha hídrica do País, formada por rios menores que 10 metros. Dispensável dizer que nenhum rio grande nasce grande. Portanto, estamos falando de comprometimento de todos os formadores dos grandes rios brasileiros. No caso de rios com mais de 10 metros de largura a APP será a metade da largura do rio, sendo, no mínimo, 30 metros e no máximo 100m. Isso significa uma redução de mais de até 80% na dimensão das APPs em vigor hoje.

Há bacias hidrográficas principalmente (mas não somente) na região centro-sul do País com percentuais de vegetação nativa inferiores a 20 ou até com menos de 10 a 5% de cobertura vegetal cuja recuperação poderá ficar comprometida. VEJA MAPA ANEXO I.

É o caso das bacias hidrográficas no rio Tietê em SP. A Bacia do Tietê/Batalha no interior do Estado de SP, por exemplo, possui apenas 8% da cobertura vegetal original de Mata Atlântica. Em relação às suas APPs:

- 44% possuem vegetação (mata, vegetação secundária ou áreas alagadas);

- 51% pastagem ou área abandonada;

- apenas 5% das APPs degradadas é ocupada por agricultura ou outros usos consolidados (estrada, ocupações, etc.). 

Outra bacia interessante é a Bacia do Tietê/Jacaré - a bacia possui apenas 6% da cobertura vegetal original de Mata Atlântica. Em relação às suas APPs:

- 44% possuem vegetação (mata, vegetação secundária ou áreas alagadas)

- 48% pastagem ou área abandonada

- somente 8% agricultura ou uso consolidado (estrada, ocupações, etc.)

Portanto, para que a consolidação (desobrigação de recomposição de APP ocupada ilegalmente) não seja compreendida como uma anistia indiscriminada e não comprometa os recursos ambientais e processos ecológicos essenciais e o próprio desenvolvimento socioeconômico nas bacias consideradas críticas é fundamental que diretrizes do Conselho Nacional de Recursos Hídricos e dos respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica sejam obrigatoriamente adotadas pelo Programa de Regularização Ambiental (PRA) previstos no PL. Principalmente no que se refere às diretrizes e metas de conservação e recomposição florestal. Essa proposta foi feita ao Relator, foi aceita por ele, mas não foi incorporada no relatório apresentado.

2 – Redução de RL via ZEE para desmatamentos posteriores a julho de 2008 incentivarão novos desmatamentos

No artigo 13 da proposta apresentada pelo Senador Jorge Viana há a previsão de redução do percentual de RL na Amazônia de 80 para 50% via Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE). Em todo o texto instituiu-se a lógica de que julho de 2008 é a data de referência para consolidação de ocupações ilegais. Com a nova redação dada pelos artigos 17 §3º e 67 o Senador Jorge corrigiu um problema grave do relatório anterior ao deixar claro que: a) o prazo de 20 anos para recomposição da RL (com 50% de exótica) e b) a compensação de RL (inclusive fora do Estado) não se aplicam para desmatamentos posteriores a julho de 2008.

No entanto, apesar de corrigir o grave equívoco acima apontado, o texto deixou uma janela enorme para flexibilização da reserva legal na Amazônia para novos desmatamentos ao não indicar uma data limite como linha de corte para aplicação do artigo 13. Essa medida é fundamental, pois se a atualização de ZEEs em vigor ou a edição de novos puder regularizar desmatamentos posteriores a julho de 2008 novos desmatamentos serão estimulados em toda Amazônia, como aconteceu em Mato Grosso entre abril e maio deste ano.

Embora defendamos que a data adequada para flexibilização (para até 50%) da área de RL desmatada seja 2001 (dada da última edição da MP 2166-67/01), por coerência para com o próprio relatório apresentado ontem a data de julho de 2008 deve ser estabelecida também para a aplicação da flexibilização de RL mediante o ZEE (prevista no artigo 13). Essa data de corte deve também se aplicar para as outras duas modalidades (de redução de RL para 50%) previstas nos parágrafos 4º e 5º do artigo 12, que tratam também de redução do percentual de RL de 80 para 50% na Amazônia. Vale dizer que na Amazônia foram desmatados entre julho de 2008 e julho de 2011 aproximadamente 20 mil km2 (ou 2 milhões de hectares) que não podem ser beneficiados pela nova Lei.

Ainda em relação aos estímulos do novo relatório da CMA a novos desmatamentos o conceito de pousio é altamente relevante e preocupante. Se aplicável a médias e grandes propriedades e com prazos largos (superiores a três anos) ele poderá ser utilizado principalmente como forma de viabilizar novos desmatamentos ainda que haja áreas abandonadas nos respectivos imóveis. O que é tão grave quanto isso será o uso do conceito de pousio para viabilizar desmatamentos de áreas em processo avançado de regeneração.

De acordo com o Projeto TerraClass do INPE (http://www.inpe.br/cra/projetos_pesquisas/terraclass.php) divulgado em setembro deste ano, cerca de 21% de tudo o que foi desmatado na Amazônia até julho de 2008 encontra-se hoje em processo de regeneração avançada. O conceito de pousio pode caracterizar todo esse volume de vegetação (mais de 150 mil km2, ou 15 milhões de hectares) como “área consolidada”, portanto, passível de desmatamento, não somente na Amazônia, mas em todos os Biomas brasileiros.

Conclusão

Há outros pontos que também precisarão ser aprimorados ainda na CMA/Senado (como apontados na nota oficial do Comitê Brasil em Defesa das Florestas, lançada hoje), mas os destacados nesta análise são estratégicos e suficientes para concluirmos que o texto apresentado na Comissão de Meio Ambiente ainda carece de aprimoramento sob pena de comprometer a biodiversidade, a disponibilidade hídrica e a sustentabilidade da própria produção agropecuária no médio e longo prazos em regiões importantíssimas (bacias hidrográficas críticas com densidade populacional superior à média do país) e de premiar ou estimular novos desmatamentos em todos os biomas brasileiros (conceito de pousio e uso do ZEE na Amazônia).

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