Nesta semana, uma carta assinada por 51 dissidentes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outros grupos sugeriu que pode estar havendo uma mudança na simbologia do movimento vanguardista na luta por terra no Brasil. O documento acusa dirigentes do MST de estarem alinhados aos últimos governos. Além disso, afirmam que organização está cada vez mais distante dos ideais da luta dos sem terra. Por outro lado, há quem diga que a saída de algumas lideranças pode também apontar uma renovação até certo ponto saudável para o movimento.
Procurados para repercutir os argumentos da carta e falar sobre o significado da dissidência, os autores do documento informaram categoricamente e em uníssono que não irão falar neste momento sobre o que ocorre no MST. “Espero que vocês entendam, mas nós estamos sofrendo demais e podemos ser mal interpretados pela intenção que tivemos”, disse uma das dissidentes.
Entre outros pontos da carta, o grupo que está deixando o MST aponta que “a expansão e o fortalecimento do agronegócio” evidenciam “vínculos dos governos do PT com os setores estratégicos da classe dominante”. Como base para esta crítica, apontam a desigualdade de investimentos entre agronegócio e reforma agrária no último período, a aprovação das sementes transgênicas, a expansão da fronteira agrícola — que resultaria na legalização da grilagem nas terras de até 1500 hectares –a permanência dos atuais índices de produtividade e as recentes alterações no novo código florestal.
“São dirigentes enfraquecidos”, diz Dionilso Marcon
De acordo com o deputado federal Dionilso Marcon (PT), parlamentar que tem na plataforma a defesa dos trabalhadores rurais sem terra, a carta não representa o coletivo como um todo, portanto, não pode ser avaliada como um indicativo de decadência do MST, racha ou mesmo enfraquecimento do MST como um mecanismo de luta. “Não me apavora esta carta. Não podemos confundir o movimento que foi feito por este grupo da Frente de Massa (comissão interna do MST), com a conjuntura nacional do MST. Os que saíram são alguns dirigentes que estão envergonhados com as ações que fizeram dentro do movimento e já vinham enfraquecidos”, afirma.
Marcon disse que não avalia o ato como uma “crítica rebelde”, mas, “a turma que organizou a dissidência não pode acusar o MST de alinhamento com o governo. Governo sempre foi governo e o movimento sempre foi independente”, falou. Ele fala que no estado da Bahia, por exemplo, 20 mil famílias estão assentadas e vivendo de forma independente do governo. O parlamentar federal diz que as demandas dos sem terra estão sendo atendidas pelos governos do PT na medida do possível. “Está tudo andando. Só às vezes não é na velocidade que queremos. Ganhamos eleição e não poder. A sociedade não é só para beneficiar os pequenos, e sim a todos”, falou.
Já o deputado estadual Edegar Pretto (PT-RS), filho do falecido deputado federal e fundador do MST, Adão Pretto, diz que lamenta a dissidência “dos valorosos companheiros que optaram por algo legítimo a qualquer organização, que é fazer de outra forma a luta”. Ele salienta que pelo tamanho do MST, é natural que haja, em meio à maioria, alguns descontentes. Mas defende as ações por parte do governo estadual. “Aqui, o governo está fazendo um grande esforço para alinhar a pauta com o MST. Acertamos uma agenda com as mil famílias que estão nos assentamentos. Mas, além dar terra, é preciso garantir a permanência deles produzindo nas terras”, comenta.
Um dos integrantes do MST, que preferiu não se identificar, acusa que este é um dos problemas internos que estão gerando a dissidência: a concentração do poder econômico nas poucas cooperativas formadas dentro dos assentamentos. “Saíram os militantes e dirigentes que tem uma relação forte com a base, com a luta e a organização das famílias do MST. Saíram justamente porque agora todo o poder de tudo no movimento está nas mãos de cinco ou seis cooperativas. Menos de 100 famílias comandam uma organização de mais de 14 mil assentados, sendo que tem muita gente passando fome nos assentamentos”, conta.
O deputado Edegar Pretto argumenta que cooperativas são formas de organização interna nos assentamentos e podem ser escolhidas livremente pelos assentados. “O cidadão que ganha a terra opta pelo melhor modo de se organizar no lote. O MST incentiva a organização coletiva porque isto mantém a base unida, diminui custos e facilita a conquista dos pleitos. Mas esta decisão é livre”, fala.
Pode ser renovação?
Na avaliação do cientista social e especialista em sociologia rural, Ivaldo Ghelen, a dissidência dos integrantes do MST pode ser vista como uma renovação. “Nem sempre quando um grupo sai enfraquece o todo. Às vezes é melhor que alguns saiam. Estes que saíram, como eles mesmos dizem no texto, são os que já foram expulsos e outros que estavam com atritos internos. Esta saída pode diminuir prejuízos internos”, avalia.
Ele argumenta que, pela linguagem do texto, é possível perceber que é uma crítica mais interna do que de conjuntura. “São falas internas, que apontam para um afastamento da pureza da origem do MST. Os conflitos internos dentro dos movimentos aparecem pouco na opinião pública, mas sabemos que eles existem. Há divergências como em qualquer outro grupo”, afirma.
Ghelen acredita que o MST mudou nos últimos anos e busca mais diálogo com os governos, até por serem sucessivas gestões inclinadas à esquerda. “Por estar aberto a negociação, isto foi utilizado por um grupo para legitimar uma saída que já vinha sendo desejada. Só que eles saem e não apontam alternativa no documento, nem continuidade. Apenas um argumento de voltar a uma luta revolucionária, mas isto não causa impacto”, critica.
Segundo o sociólogo, a alternativa para os dissidentes agora é, em curto prazo, se articular para constituir uma rede que possa, em longo prazo, constituir uma nova organização. “Mas não temos como prever, nem mesmo saber se estes dissidentes saíram coesos”, aponta.
Via Sul21
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