Embora o Ministério da Cultura tenha se constituído enquanto tal em 1985 (durante o governo Sarney), foi só na última década que ele conseguiu se fortalecer politicamente, atuando como formulador de uma política cultural para o País.
É a partir da gestão Gilberto Gil (2003-2006) que se atribui ao Estado papel fundamental no desenvolvimento e na valorização das manifestações e expressões culturais brasileiras.
“A gestão do ministro Gil marca um novo tempo – uma vontade política de institucionalização da cultura, de uma compreensão mais abrangente dos significados da cultura, de resgate pelo Estado do seu papel de liderança na formulação de políticas”, analisa Claudia Leitão, secretária de Economia Criativa, em processo de criação dentro da estrutura do MinC.
“O Gil veio com uma proposta de trabalhar o conceito antropológico de cultura, ele falava em fazer o ‘do-in antropológico’, o que a princípio ninguém entendeu. Mas com o passar do tempo ele foi dando forma e corpo a toda aquela abstração do discurso”, relata a coordenadora do Núcleo de Cultura do Cenpec, Ana Carrara.
O tal ‘do-in antropológico’ a que o ministro se referia consistia em “massagear pontos vitais do corpo cultural do país, para avivar o velho e atiçar o novo”. Ele se traduziu, essencialmente, no Programa Cultura Viva, que se tornaria marca da gestão Gil e de seu sucessor, Juca Ferreira. O Programa reconhece, valoriza e estimula a diversidade cultural brasileira, materializada em uma rede de iniciativas culturais já existentes em diversas comunidades do País, batizadas como “pontos de cultura”. É uma política que inverte a lógica tradicional centrada na questão do acesso aos bens e serviços e passa a atuar com foco no acesso aos meios de produção e disseminação.
“Não cabe ao Estado produzir cultura ou criar tendências. Ele é responsável, sim, por um ambiente favorável ao desenvolvimento e manutenção de iniciativas da própria sociedade, como os pontos de cultura”, explica Alfredo Manevy, que foi Secretário Executivo do MinC durante a gestão Juca Ferreira.
O Cultura Viva, assim como toda a política de cultura do governo Lula, foi construído a partir de uma nova concepção de cultura, que abarca três dimensões: simbólica, cidadã e econômica. Isto é, a cultura passou a ser compreendida como elemento fundador da identidade nacional, como instrumento que cria as condições necessárias para o exercício da cidadania e como fonte de oportunidades para geração de renda.
Da condição de ministério irrelevante para cenário de disputas
Ao assumir essa condição de formulador de políticas públicas, o Ministério também cresceu financeira e politicamente. Seu orçamento saltou de R$ 350 milhões, em 2002, para R$ 2,2 bilhões, em 2010.
“No início do governo Dilma, foi o ministério que teve mais candidatos. Vejo isso como um sintoma de um ministério que saiu da irrelevância e se tornou objeto de cobiça política na medida em que passou a ter orçamento, políticas públicas, a definir prioridades, a ter influência real no País”, afirma Manevy.
“Até então, muitos estados e municípios nem sabiam da existência do Ministério da Cultura. O MinC tinha uma estrutura muito pequena, sem qualquer governabilidade, sem recursos, sempre voltado para cultura erudita, para resolver projetos específicos, excludentes, sem a preocupação com a construção de políticas públicas”, lembra Claudia Leitão.
Além desse fortalecimento político, Manevy também destaca como uma outra conquista importante da última década na área da cultura “a atualização de um marco legal, capaz de reconhecer a cultura como direito, como necessidade básica da população, como base do desenvolvimento qualificado do País”.
Ele cita como exemplos a aprovação do Plano Nacional de Cultura, o encaminhamento para o Congresso de uma nova lei de incentivo à cultura (o Procultura) e também a mobilização em torno da PEC 150, que destina 2% do orçamento federal para as políticas culturais, 1,5% dos estados e 1% dos municípios. “Existe um consenso em torno de uma agenda mínima na área cultural”, acredita.
A elaboração do Plano Nacional de Cultura, aprovado pelo Congresso em 2010, foi resultado de um longo e intenso processo de debate entre governo, sociedade civil e iniciativa privada. Seminários, conferências e fóruns foram realizados por todo o território nacional. Também foram criadas Câmaras Setoriais, “instâncias pelas quais os representantes de setores artísticos organizados, instituições e empreendimentos culturais contribuem para o diagnóstico de demandas e a avaliação de prioridades” (Plano Nacional de Cultura – Diretrizes Gerais).
“O Ministério ao longo desses oito anos construiu um processo dificílimo de conferências municipais, intermunicipais, estaduais, nacionais de cultura. O Brasil começou a falar, a protagonizar um discurso dos rincões das diversas regiões”, pensa Claudia.
Uma outra inovação importante das últimas gestões à frente do MinC foi o desenvolvimento de indicadores culturais que pudessem auxiliar no planejamento e monitoramento das políticas da área. Em 2003, pela primeira vez, o Ministério firmou convênio com o IBGE, que produziu um estudo com base nas estatísticas sobre a produção (oferta) de bens e serviços culturais, os gastos (demanda) das famílias e do governo, e as características da mão-de-obra ocupada (emprego) desse setor. Em 2009, o MinC lançou o primeiro Anuário de Estatísticas Culturais.
O Plano Nacional de Cultura prevê a implantação de um Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC), que deve servir como instrumento de acompanhamento, avaliação e aprimoramento da gestão e das políticas públicas de cultura.
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