Redirecionamento

javascript:void(0)

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Mais álcool hidratado

O setor sucroalcooleiro brasileiro depara com o desafio de aumentar a produção de etanol para atender às demandas interna e de exportação. Para isso, são estudadas diversas alternativas, como aumentar a área de plantio de cana-de-açúcar, incrementar o rendimento agrícola (produção por hectare), realizar melhorias no processo de produção industrial ou produzir o combustível por meio de novas rotas, como a partir da celulose presente nos resíduos da cana-de-açúcar e em outras matérias-primas vegetais – o chamado etanol de segunda geração.

Um projeto realizado por pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), em colaboração com grupos de pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Delft University of Technology, da Holanda, demonstrou que outra alternativa potencial pode estar no melhoramento genético dos microrganismos utilizados no processo convencional de produção industrial do biocombustível por fermentação, em que, basicamente, leveduras da espécie Saccharomyces cerevisiae convertem a sacarose (o açúcar) em etanol.

Por meio de estratégias de engenharia metabólica, combinadas com evolução em laboratório, o grupo conseguiu, em escala de bancada, aumentar em 11% o rendimento da produção de etanol sobre a sacarose utilizando uma levedura geneticamente modificada.

“Esse experimento ainda não foi testado em ambiente industrial. Mas, levando-se em conta o grande volume da produção atual, um aumento de apenas 3% no rendimento da fermentação alcoólica permitiria hoje um incremento de 1 bilhão de litros de etanol por ano, só no Brasil, a partir da mesma quantidade de cana-de-açúcar. O que já seria um ganho extraordinário”, disse Andreas Karoly Gombert, professor da Escola Politécnica da USP e coordenador do projeto, à Agência FAPESP.

O projeto surgiu a partir de uma iniciativa do professor Boris Ugarte Stambuk, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que desenvolveu em laboratório e patenteou uma estratégia de engenharia metabólica que altera a topologia e a energética do metabolismo de sacarose na levedura Sacchromyces cerevisiae.

Para verificar até que ponto a levedura geneticamente modificada era melhor do que a levedura convencional, Stambuk procurou Gombert com a proposta de iniciar uma colaboração.Por meio de um projeto de pesquisa, intitulado “Engenharia evolutiva de leveduras” financiado pela FAPESP no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), Gombert e colegas cultivaram no Laboratório de Engenharia Bioquímica da Escola Politécnica e também no Departamento de Biotecnologia da Delft University of Technology a levedura geneticamente modificada por meio de um processo chamado quimiostato longo, limitado por sacarose.

Por esse processo, a levedura é submetida a uma pressão seletiva por várias gerações, durante as quais ocorrem alterações genéticas e seleção dos indivíduos mais bem adaptados à condição de cultivo. Dessa forma, os pesquisadores conseguiram selecionar um clone com capacidade de transporte de sacarose várias vezes aumentada em relação à linhagem fornecida por Stambuk, da UFSC. A linhagem apresentou um rendimento de etanol sobre a sacarose 11% maior do que a linhagem selvagem.

“Esse resultado é inédito e superou nossas previsões quantitativas, com base em um modelo teórico do consumo de sacarose por Sacchromyces cerevisiae. O próximo passo será introduzir essas mesmas estratégias em leveduras industriais e, finalmente, testá-las em condições industriais”, disse Gombert. Em estudos realizados em laboratório, os pesquisadores tentaram verificar por transcriptômica, PCR (reação em cadeia da polimerase) e por sequenciamento de alguns genes quais modificações ocorreram no genoma da levedura durante o processo de engenharia evolutiva. Com isso, eles conseguiram identificar que alguns genes do microrganismo foram duplicados.

Porém, de acordo com Gombert, essa duplicação de genes é apenas uma parte da explicação sobre a melhoria de rendimento obtida, já que não foi possível, ao menos por enquanto, reproduzir o fenótipo obtido pela evolução em laboratório por meio de modificações genéticas dirigidas.

Segundo ele, o aumento no rendimento da fermentação alcoólica industrial no Brasil ao longo das últimas décadas foi obtido, basicamente, por melhorias nas condições do processo, por meio do aprendizado prático. Mas, para que esse rendimento – que está estacionado há alguns anos na casa dos 90% a 92% do valor estequiométrico – possa aumentar ainda mais, é preciso que sejam introduzidos avanços tecnológicos reais. Dentre eles, o uso de leveduras geneticamente modificadas se apresenta como um forte candidato.

“Já há, pelo menos, uma empresa estrangeira que está introduzindo no Brasil uma levedura geneticamente modificada para produção em escala industrial de outra molécula, que não é o etanol, a partir da sacarose da cana-de-açúcar. Se esse experimento for bem-sucedido, teremos a prova de que é possível cultivar esses microrganismos em um processo de grande escala, com assepsia e reciclagem de células durante os vários meses da safra da cana-de-açúcar, para a produção de um composto de baixo valor agregado. O que, até onde eu sei, é muito raro ou até mesmo inédito”, disse.

Elton Alisson

Nenhum comentário:

Postar um comentário