Governos devem ir além da definição mais restrita de direitos de carbono, que beneficia apenas quem tem titulação definitiva das terras. Na próxima sexta-feira, 29, um grupo de trabalho vai apresentar à ministra Izabella Teixeira, do Meio Ambiente, um artigo que resume os primeiros passos para a concepção de uma política nacional de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD).
A REDD funciona por meio da remuneração de emissões evitadas de carbono.Dono da maior floresta tropical do planeta, cuja queima responde por 1,5% dos GEEs emitidos no mundo todo ano, o Brasil tem um imenso potencial para gerar receita com REDD, mas, dependendo da regulamentação adotada, pode também perpetuar injustiças ancestrais, sobretudo na Amazônia, onde as populações mais pobres dificilmente têm escrituras definitivas das terras que habitam. Essan Yassim Mohammed, pesquisador do International Institute for Environment and Development (IIED), afirma que a REDD só pode dar certo no Brasil se for possível assegurar que essas populações se beneficiem do mecanismo.
Em artigo recém-publicado com o advogado Christoph Schwarte ("A justiça do carbono: como alavancar benefícios do REDD + para os pobres"), ele defende que os "direitos sobre o carbono" (do inglês "carbon rights") não tomem como base a titulação definitiva da terra, como vem sendo estudado, mas levem em consideração os direitos civis, sociais, econômios e culturais das populações que dependem da floresta para sua sobrevivência. Sesundo Mohammed, a floresta que sequestra carbono provê um link contínuo para um conjunto mais amplo de direitos, incluindo uso e posse da terra, emprego, alojamento e direito de ir e vir.
Por isso, uma compreensão mais ampla dos "carbon rights" também leva em consideração direitos civis, culturais, políticos, sociais e econômicos de todos aqueles que dependem dafloresta. Em resumo, isso significa que os governos devem ir além da definição mais restrita de direitos de carbono, pela qual os benefícios são limitados àqueles que possuem legalmente as terras cobertas por matas, mas também assegurar que as comunidades dependentes das florestas (que não necessariamente têm títulos das terras que habitam) se beneficiem. Alémdisso, os governos deveriam reconhecer figuras como o direito de uso da terra, por exemplo, tradicional forma que muitas comunidades da floresta têm para regulamentar o uso de seus recursos. O argumento todo que defendemos é que os créditos de carbono - ou os benefícios a eles associados - não deveriam se basear na titulação da terra. Para que o REDD funcione no Brasil - e em outros lugares do mundo - é urgente que se adote uma definição menos estreita de "carbon rights", permitindo que comunidades rurais se beneficiem do esquema.
Outra questãoque se pode colocar é "por que é importante fazer o REDD funcionar para os pobres onde estes se beneficiam mais proporcionalmente?" A resposta é simples. Há duas razões: a primeira é que temos a obrigação moral de de assegurar que os pobres se beneficiem ou, ao menos, não sejam negativamente afetados; a segunda é que o esqueme precisa manter legitimidade internacional (investidores) e local (comunidades). Se a intervenção (REDD) é percebida como ilegítima, ela pode ser facilmente boicotada pelos investidores e as comunidades locais, o que teria como consequência uma vida curta para o mecanismo. Há alguns estudos dando conta de que as áreas protegidas contêm no mínimo 15% do carbono terrestre.
Entretanto, não está claro ainda se o mecanismo de REDD é aplicável a áreas protegidas. Discute-se muito se as áreas protegidas atenderiam aos requisitos de adicionalidade, pois se a floresta já é protegida sob o regime estatal, por que alguém iria pagar para reduzir emissões provenientes desse local (que, teoricamente, não emite)? Mas hámuitos que argumentam a favor da inclusão de áreas protegidas no esquema de REDD porque elas estocam uma quantidade significativa de carbono que, de outra forma, já teria sido emitido. Talvez cada país deva reconhecer os benefícios de estoque de carbono que as áreas protegidas prestam e assegurar que não haja impacto negativo sobre as pessoas que dependem dos bens eserviços ambientais.
A REDD poderia compensar potencialmente as comuidades locais (dentro e nos arredores das áreas protegidas) e satisfazer o princípio do "do-no-harm" (não causar danos). Na maioria dos mecanismos de salvaguarda utilizados em programas que instituem políticas e medidas de REDD em nível nacional (em oposição a iniciativas regionais), há uma exigência de avaliar os impactos sociais, antes e depois da implementação . A exigência existe tanto para informar sobre o desenvolvimento e a implementação da estratégia de REDD + utilizada quanto para cumprir com as políticas da agência multilateral responsável. Contudo, embora exista essa exigência, não há orientações metodológicas nacionalmente apropriadas sobre como realizar essas avaliações.
Isso é do interesse de todos nós que estamos envolvidos em desenhar e implementar o esquema de REDD e eu acredito piamente que é algo que está sendo buscado pormuitos países como parte do processo de preparação da REDD.Há uma relação que pode não ser verdade para todas as partes do mundo, mas que é aplicável a muitos países em desenvolvimento: o fato da produtividade ser inversamente proporcional ao tamanho da terra.
Isso significa que, quanto maior a propriedade, menos produtiva ela é. Por outro lado, grandes proprietários de terras poderiam se beneficiar da economia de escala quepode reduzir significativamente os custos de transação envolvidos em sua participação no esquema de REDD. Neste caso, os pequenos proprietários podem ter de arcar com custos de transação relativamente altos e, como resultado, podem não achar o esquema atraente. Assim, seria muito provável que grandes proprietários de terras fossem incentivados a participar do esquema, enquanto pequenos ficariam de fora.
Neste caso, uma discriminação positiva sistemática em favor dos pequenos proprietários é necessária. O pagamento descendente pra cada unidade adicional de terra é um dos "approaches" que podem ser usados para tornar o esquema "pró-pobres". As vantagens de tal estratégia são: a distribuição dos custos de transação entre grandes e pequenos produtores e o incentivo aos pequenos produtores para que tomem parte no esquema e se beneficiem dele. Isso não quer dizer que os grandes proporetários não vão participar do esquema. Mas sim que seus benefícios marginais (irrealisticamente altos) serão reduzidos para um nível em que eles ainda possam perceber sua participação no esquema como modestamente rentável. Portanto, a taxa de pagamento em declínio deve ser cuidadosamente estimada.
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