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quarta-feira, 13 de julho de 2011

Química das plantas

Um mistério abominável.” Desse modo Charles Darwin se referia à ausência de explicações para a explosão das angiospermas, há 140 milhões de anos. Até hoje permanecem obscuras para os cientistas a origem e a imensa diversificação desse primitivo grupo de plantas.

Motivados por essas questões de ciência fundamental, um grupo de pesquisadores concentra esforços, até 2015, para explicar as principais causas da diversidade metabólica das angiospermas, incluindo sua regulação e os mecanismos bioquímicos envolvidos na produção de substâncias pelo metabolismo dessas plantas.

O Projeto Temático “Diversidade molecular em angiospermas basais”, que integra o Programa BIOTA-FAPESP e foi iniciado há pouco mais de um ano, é coordenado por Massuo Kato, professor do Instituto de Química (IQ) da Universidade de São Paulo (USP), que falou sobre ele no dia 4, em São Carlos (SP), durante o 7º Simpósio do Programa BIOTA-FAPESP.

O evento, que teve participação de cientistas e estudantes, foi realizado em conjunto com a 7ª Reunião de Avaliação do Programa BIOTA-FAPESP e Reunião de Avaliação do BIOprospecTA, que consistiram na apresentação de todos os projetos participantes do programa a um comitê internacional de avaliadores.

O modelo encontrado para estudar a ecologia química das angiospermas é a família das piperáceas (Piperaceae), cuja espécie mais conhecida é a pimenta-do-reino. De acordo com Kato, as piperáceas produzem metabólitos secundários que têm grande potencial de atividade biológica. Mas pouco se conhece sobre a biossíntese dessas substâncias e sobre a sua utilidade para o próprio organismo das plantas.

“O foco em uma família primitiva como as angiospermas se justifica por vários aspectos. Um deles é que sua origem ainda não é muito clara. Mesmo com o aumento vertiginoso das informações genéticas, o ‘mistério abominável’ de Darwin não foi solucionado. Não sabemos, por exemplo, se o processo de diversificação das angiospermas tem relação com o metabolismo secundário, conferindo resistência e defesa contra insetos, por exemplo”, disse Kato à Agência FAPESP.

Além das lacunas do conhecimento sobre as angiospermas, Kato teve outra forte razão para deixar a bioprospecção em segundo plano e focar seu trabalho na pesquisa básica sobre as plantas: a influência direta do químico Otto Richard Gottlieb (1920-2011), fundador do Laboratório de Química de Produtos Naturais do IQ-USP.

“Sou da escola do professor Gottlieb, que sempre pregou que devemos estudar e conhecer a natureza – tarefa que para ele seria mais importante até que descrever a atividade biológica sob o ponto de vista de aplicação para o ser humano. Voltar a seguir o conhecimento do professor Gottlieb é algo que me motivou bastante”, afirmou.

Kato chegou a se envolver em projetos ligados à bioprospecção, com recursos do BIOProspecTA, mas a afinidade com estudos mais acadêmicos somada às dificuldades relacionadas à obtenção de licenças para coletas de material biológico no Brasil acabaram por provocar uma mudança de rumo.

“Há cerca de quatro anos tive um problema com uma coleta em Belém e fui autuado pelo Ibama. Com isso, resolvi fazer o que realmente me atrai, que é estudar a evolução e as funções dos metabólitos para os organismos que os produzem. Submeti a proposta do Projeto Temático e fiquei muito feliz por poder levar adiante o legado do professor Gottlieb”, disse.

Kato, que trabalha há mais de dez anos com as piperáceas, manteve vivas as pesquisas no Bloco 11 do IQ-USP, tradicional endereço do laboratório fundado por Gottlieb. As piperáceas são muito próximas das miristicáceas (Myristicaceae) e lauráceas (Lauraceae) – que eram as famílias com as quais Gottlieb trabalhava. Essas plantas produzem as substâncias denominadas pelo professor como “neolignanas”, cuja biossíntese ainda não é conhecida.

“Esse é um ponto que me levou a começar a estudar a biossíntese. Tive que encontrar um modelo bom para trabalhar e comecei com as miristicáceas, mas percebi que havia dificuldade. Era preciso ter material que pudesse se propagar facilmente. As piperáceas nesse sentido são muito boas, porque elas produzem muitas sementes, em grande quantidade, e são de crescimento rápido. Tudo isso facilitou a escolha dessa família como modelo para o trabalho”, explicou.

Árvore filogenética

O Temático conta com cerca de 25 pesquisadores espalhados pelo país, além de colaboradores da Colômbia. O grupo alocado no Laboratório de Química de Produtos Naturais do IQ-USP inclui, ainda, sete alunos de doutorado, cinco de iniciação científica e três pós-doutorandos, além de Kato como docente.

A base da metodologia é a coleta em campo. O grupo possui hoje 1,5 mil acessos – cada acesso é uma coleta de um indivíduo –, perto de 150 espécies identificadas e um cultivo de aproximadamente 100 espécies no viveiro no IQ-USP.

“Lutamos constantemente para mantê-las vivas. Hoje, estamos fazendo uma cópia de cada uma das espécies que temos e tentamos enviá-las para o Instituto Agronômico, onde há também um banco de germoplasma”, explicou.

A equipe utiliza marcadores biológicos, segundo Kato, em uma tentativa de organizar esse conjunto de espécies. Segundo ele, os marcadores moleculares ajudam a definir as relações de filogenia e de parentesco entre as espécies.

A base do trabalho consiste em definir uma árvore filogenética. A partir daí, os cientistas vão estudar a composição química desses grupos para observar se existe ou não uma correspondência entre os dados de filogenia molecular e a composição de metabólitos secundários.

“Uma vez feita essa organização – e já caminhamos razoavelmente nesse sentido – ela permite a escolha de blocos de espécies para a realização de estudos de biossíntese. Ou seja, definir qual espécie é a mais adequada para entender a formação de uma determinada substância”, disse Kato.

A biossíntese consiste em uma série de etapas de reações na formação das substâncias. O conhecimento sobre uma via sintética é importante para começar a definir qual a função de uma determinada substância – o que é uma pergunta bastante difícil de responder.

“Uma coisa é tentar aproveitar as substâncias para nosso bem-estar – para produzir aromas e medicamentos, por exemplo –, outra é definir a função de uma substância para a planta. É uma pergunta que não podemos responder de imediato, mas podemos descrever como a planta a produz e quais são as sequências de reações que levam à produção dessa substância”, disse Kato.

O estudo da biossíntese busca descobrir qual é o precursor de cada substância, quais são os intermediários, quais são as enzimas envolvidas e qual o produto final.

“Essa é a descrição da via sintética. Podemos descrever ainda como essa via é regulada e qual o fator que estimula a produção dessa substância – que pode ser o desenvolvimento, a temperatura, a estação, a duração da luz e assim por diante”, afirmou.

Determinando o que afeta a produção da substância, os cientistas têm uma chance maior de entender a função da substância na planta. O foco não são aplicações, mas, se a planta tiver um princípio ativo, uma aplicação ou atividade biológica já conhecidos, ao descobrir tudo o que regula a sua produção, os pesquisadores podem otimizá-la em campo.

“Em dois casos, vimos que o período de produção mais elevado de um metabólito era ao amanhecer. Como o cultivo é controlado, sabemos que o aumento da produção tem relação com algum estímulo relacionado à luz. Dentro do nosso projeto, a ideia é cultivar plantas e submetê-las a diversos tratamentos, variando esses estímulos”, disse.

A multidisciplinaridade é uma das características fundamentais do projeto. “Os alunos têm uma oportunidade excelente ao trabalhar com um tema tão amplo e em colaboração com pesquisadores de outras áreas. Mas ainda temos muita necessidade de agregar pesquisadores de outras áreas, como bioinformática, por exemplo”, disse Kato.

Fábio de Castro

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