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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Um elefante branco para o Suriname


Por Johannes van de Ven  
 

Representantes dos governos do Suriname e do Brasil estão negociando a construção de uma estrada para ligar diretamente as duas nações. Suriname e Brasil são atualmente os dois únicos países da América do Sul que não são diretamente conectados por terra. Neste momento, os países se conectam por terra via Guiana, a oeste (Boa Vista- Lethem - Georgetown - Nieuw Nickerie) e via Guiana Francesa, a leste (Oiapoque - Caiena - Saint-Laurent-du-Maroni - Albina).

O plano diretor é conectar Paramaribo via Pokigron, no sudeste do Suriname, pelo Parque Nacional do Tumucumaque e Pedra Branca do Amapari, localizado no BR-210, até Macapá, a capital estado do Amapá. O Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, que tem 625 km de extensão e possui uma área de 3.867.000 hectares, não é apenas a maior unidade de conservação do Brasil, mas também a maior área protegida de floresta tropical do mundo.

O interesse de construir esta estrada transamazônica vem dos dois lados da fronteira. Desde a eleição do presidente Desi Bouterse neste ano, o governo brasileiro tem estado ansioso para avançar em projetos de cooperação econômica. Durante um seminário que ocorreu recentemente no Hotel Torarica em Paramaribo, o embaixador brasileiro no Suriname, José Luiz Machado e Costa fez propostas de cooperação em áreas estratégicas como infraestrutura, energia, educação e anunciou incentivos para pequenas e médias empresas.
O Instituto de Pesquisa Rodoviária do Brasil, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI) e a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) estão envolvidos em estudos de viabilidade.

O presidente do Suriname, Desi Bouterse, e seu partido chamado 'Mega Combinação', que ocupa 23 dos 51 assentos no parlamento, tem frequentemente destacado ao longo da campanha presidencial os múltiplos benefícios de uma ligação direta com seu vizinho ao sul. Primeira e principalmente, existem vantagens econômicas importantes. Uma estrada abriria uma vasta área ao comércio e outras atividades econômicas. As rochas precambrianas do Escudo Guianense guardam comprovadamente imensos depósitos de diamantes, ouro, prata e platina. Além disso, detém grandes reservas de minerais industriais como bauxita, cobre, minério de ferro, manganês, estanho e zinco.

Sua maior recompensa, no entanto, deve residir em minerais menos conhecidos, como berílio, caulim, nióbio, tântalo, titânio e zircônio, que são essenciais para utilização em aeronaves modernas, automóveis, computadores e equipamentos de perfuração de petróleo e gás. Todos esses depósitos naturais pertencem ao governo do Suriname. Não é coincidência que o Banco Mundial tenha recentemente ranqueado o Suriname entre os potenciais 17 países mais ricos do mundo.

Sob a atual legislação surinamesa, apenas cerca de 16% das florestas são manejadas como áreas protegidas, o que inclui as Áreas de Uso Múltiplo, reservas naturais e parques nacionais. Além disso, aproximadamente 15% da cobertura florestal está reservada à exploração comercial, como concessões madeireiras, para hidroenergia e mineração. Cerca de 55% das florestas, entretanto, a maioria localizada na parte sul, ainda não têm destinação especial. O governo de Bouterse não vê a hora de explorar essas riquezas.

Um segundo motivo para o estabelecimento de uma ligação direta é político. Em 2011, Suriname não vai mais receber ajuda do governo holandês. Quando o país conquistou sua independência em 1975, a Holanda prometeu a quantia de 3.5 bilhões de florins holandeses, o que equivale 3.7 bilhões de reais, como ajuda. Este programa foi encerrado. Alguns podem lamentar esse término, mas o novo governo não se arrepende. De acordo com o assistente político de Bouterse, Winston Lackin, o Suriname só vai tirar vantagem do corte de laços com sua antiga metrópole. Segundo Lackin, a ajuda holandesa não cumpriu suas promessas, "só perpetuou a dependência". O descontentamento do Suriname diante de como os holandeses conduziram o processo de independência ainda é profundo.

Como a maioria das outras nações sul-americanas, o Suriname vai cada vez mais procurar estabelecer relações comerciais com Brasil e China. Em vez de dar seguimento às relações tradicionais com sua antiga metrópole, o Suriname tem mais a ganhar em negociações bilaterais com essas duas potências emergentes. Não há dúvidas de que Brasil e China estão ávidos por explorar oportunidades e capitalizar sobre o relacionamento conturbado entre Suriname e Holanda. A França também está pronta para tirar vantagem de seu território ultramarino, a Guiana Francesa, para se tornar a principal porta de entrada comercial do Suriname na União Européia.

Uma terceira razão está ligada à população surinamesa. O governo de Bouterse argumenta que a falta de uma conexão por terra no sul do país representa uma importante barreira para a migração para o centro-sul do Suriname. Aproximadamente 95% de sua população relativamente pequena, por volta de 500 mil habitantes, vivem nas planícies costeiras e dificilmente alguém visita o interior. O Suriname tem uma das mais baixas densidades populacionais do mundo, apenas 3 pessoas por quilômetro quadrado. Não existem grandes rodovias pela floresta e o país é um dos mais densamente cobertos por vegetação no planeta, com florestas intocadas.

Uma avaliação mais profunda, no entanto, torna a pavimentação de uma ligação direta entre Suriname e Brasil menos óbvia ou atrativa. Será que os interesses do Brasil e do Suriname passam pela abertura de uma estrada asfaltada no meio da floresta tropical virgem? O destino continental do Suriname se debruça sobre o asfaltamento desta estrada, conforme o presidente reeleito Desi Bouterse nos faz acreditar? Juntar as duas nações teria imensas repercussões para a parte nordeste da bacia amazônica e o Escudo Guianense, não apenas ecologicamente falando, mas também do ponto de vista político e social.

Logisticamente desnecessária
Até mesmo do ponto de vista estritamente logístico, muitos pontos de interrogação precisam ser lançados. A área em questão é esparsamente habitada. O Oceano Atlântico é relativamente próximo, o que faz uma estrada desnecessária para transporte de cargas e frete. Além do mais, a estrada Leste-Oeste, que já existe no Suriname, não tem sido usada em todo seu potencial e capacidade, e frequentemente registra problemas como assaltos a passageiros e perseguições. Sequer há pontes cruzando o rio Courantyne rumo à Guiana e o rio Marouini na direção da Guiana Francesa. Os problemas logísticos para iniciar uma rodovia Norte-Sul parecem estar superando os benefícios econômicos por uma larga margem de vantagem.

Ganho econômico de curto prazo
Apesar de existirem muitas reservas com recursos naturais nas áreas que margeiam a proposta de rodovia, não existem evidências de que sua extração vai melhorar a situação de prosperidade local. Dados históricos sugerem que a dotação de ativos naturais em um país só traz efeitos colaterais positivos para a sociedade se a prevalecência de governança e o cumprimento das leis têm bases sólidas. No caso do Suriname, não há razão para acreditar que os ganhos particulares serão maiores do que as perdas sociais. Um meio-termo deve ser encontrado entre de um lado o fato de ter havido um longo período de negligência e, do outro, uma imprudente corrida do ouro. O grande desafio para o Suriname é lidar com a disponibilidade das suas riquezas e evitar a maldição dos recursos naturais.

O cenário mais provável é o de que grupos chineses vão continuar a dominar o mercado dos produtos amazônicos. Commodities são caracterizadas como recursos naturais crus, em vez de bens manufaturados com valor agregado. Sob este cenário de business-as-usual, a Amazônia vai seguir sendo objeto das flutuações de mercado, perpetuando os cíclos de prosperidade e falência, que tem sido uma característica típica da região desde que foi descoberta pela primeira vez por piratas europeus.

Impacto ambiental devastador
Qualquer estrada ligando as duas nações cruzaria ecossistemas delicados, até agora considerados uma das florestas virgens mais bem preservadas do mundo, uma área excepcional de biodiversidade. O Suriname está localizado no Escudo Guianense, uma imensa formação granítica da era Pré-Cambriana, próxima ao limite norte da maior área contínua de florestas não perturbadas do mundo. A área total do Suriname é de 146.101 quilômetros quadrados, do qual aproximadamente 90% são cobertos por florestas primárias com uma taxa de desmatamento inferior a 0.1% anualmente. Trazendo alcatrão para a floresta, esta dinâmica mudará.

É importante reiterar os números impressionantes do Suriname. De acordo com um estudo recente da Conservação Internacional, o Suriname tem 200 espécies de mamíferos, 674 espécies de aves, 152 espécies de répteis, 99 espécies de anfíbios e 790 espécies de peixes. Como a maioria de seus rios desembocam no Oceano Atlântico e não são drenados para a bacia do Orinoco ou do Amazonas, a fauna associada do Suriname é, em sua maioria, endêmica e tem, por isso, enorme valor intrínseco. Suas florestas densas ainda abriga animais que estão a cada dia mais ameaçados em outras partes da Amazônia, incluindo a ariranha (Pteronura brasiliensis), a anta (Tapirus terrestris), o tatu-canastra (Priodontes maximus), o peixe-boi marinho (Trichechus manatus) e a rã (Dendrobates azureus).

Pavimentar uma estrada em meio a essas áreas frágeis motivado por uma escolha intencional ou consciente dos governos e das empresas infligiria danos permanentes. Cortando uma área substancial, não apenas carbono seria liberado na atmosfera, as áreas afetadas iriam também perderiam capacidade de absorver o carbono no futuro. Críticos podem dizer que a área impactada no sul do Suriname e no norte do Pará e do Amapá é relativamente pequena. No entanto, as áreas fazem parte de um mosaico mais amplo que deve manter seu equilíbrio natural.

Em segundo lugar, o cíclo de água seria negativamente afetado. A bacia amazônica é o maior sistema hidrológico de água doce na face do universo, contendo o maior aquífero subterrâneo do planeta. O sul do Suriname está situado numa área estratégica da Amazônia, onde o ciclo da evapotranspiração, conduzido pelos ventos do Atlântico, se inicia. Menos árvores significa menos formação de nuvens, que em contrapartida acarreta em menos chuvas e mais incêndios.

Interrompendo ou interferindo no ciclo de água da Amazônia, áreas de agricultura em locais remotos como o Texas, a região do Chaco e a bacia do Prata serão impactadas. Cientistas já alertaram que o ponto de ruptura para a ocorrência de grandes alterações irreversíveis na bacia amazônia não está muito distante, o que secaria a floresta tropical, convertendo-a a savanas.

Procedentes históricos inauspiciosos
Apesar de uma experiência histórica ser relativamente um mecanismo fraco para previsão de comportamentos futuros, algumas lições importantes podem ser tiradas da trajetória surinamesa. A maior incursão humana na floresta aconteceu na década de 1960, com a conclusão de uma hidrelétrica no rio Suriname em Afobakka para abastecer as fundições de alumínio da Suralco/Alcoa. Isso provocou a formação do lago da represa Brokopondo. Este lago artificial destruiu 1560 quilômetros quadrados de floresta primária.

Na década de 1990, diversas empresas de mineração de ouro fizeram incursões Suriname adentro, causando igualmente perdas na floresta e, pior, poluição por mercúrio. A área ao redor das montanhas Bakhuis ficou notoriamente poluída. Temas relacionados à regulação da mineração estão cada vez mais se destacando nos jornais e no parlamento. Durante a campanha presidencial, Bouterse se opôs a uma proposta de investimentos da Newmont Mining, alegando que isso equivale a trocar as riquezas naturais do país a preço de banana.

O histórico do lado brasileiro é ainda mais preocupante. Na maior nação sul-americana, existe uma correlação direta entre rodovias em florestas primárias, crescentes incêndios, mais desmatamento, fragmentação florestal, extinção de espécies e maiores fluxos migratórios. Historicamente, o asfalto é um dos piores vilões do desmatamento. A experiência ensina que estradas transnacionais aumentam a densidade de estradas secundárias. As derrubadas vão acarretar em especulação sobre a terra e colonização ao longo de uma esteira de vias primárias e secundárias, no padrão espinha de peixe. A dimensão humana da expansão de corredores viários é, além do mais, ligado a uma maior incidência de alcoolismo, prostituição e de proliferação de doenças contagiosas.

A pavimentação de um corredor ligando Paramaribo a Belém facilitaria a migração de pessoas do chamado arco do desmatamento nos estados de Mato Grosso e Tocantins para novas fronteiras na Calha Norte (estados do Pará e Amapá). A pavimentação ia dar um impulso adicional à apropriação de terras públicas, tanto por pequenos posseiros, como também por grileiros nos dois lados da fronteira. Autoridades locais terão uma imensa responsabilidade para mitigar o impacto de levar asfalto para a floresta.

Comprometendo comunidades indígenas
A área que atualmente forma o Suriname pertence historicamente a uma ampla variedade de povos indígenas. Os Arawaks são considerados seus primeiros habitantes. Depois, outros povos chegaram, como os Akurio, Caribs, Trió, Wayarekule, Warrau e os Wayana. As populações ameríndias relativamente pequenas são detentoras de um inestimável conhecimento de alimentos, fibras, remédios e outras plantas úteis da floresta.

Por todas as Américas, comunidades indígenas não têm apenas sido historicamente os melhores curadores para os ativos naturais do continente, eles tem sido os melhores depositários de seu valor intrínseco. As comunidades indígenas têm a floresta como seu habitat natural, que faz intrinsicamente parte de sua cosmovisão e sobrevivência. É improvável que os centenários mordomos da Amazônia se tornem simpáticos à introdução de asfalto em suas áreas.

Como a pretendida rodovia transamazônica cruzaria territórios indígenas, é uma precondição mapear, definir e garantir os direitos de posse das comunidades quilambolas e indígenas. Esses grupos devem ser tratados como uma classe especial de atores neste processo, pois têm de fato direitos de acordo com as legislações nacionais e internacionais.

Pilhagem e ocupação ilegal

Uma grande preocupação do governo surinamês, que também é vastamente compartilhada por sua população, é como lidar com migrantes brasileiros ilegais, que vêm cada vez mais invadindo as regiões central e sul do país, em sua busca imprudente por recursos naturais. Depois de terem sido expulsos das áreas de mineração de ouro do estado brasileiro do Pará (da infame mina a céu aberto de Serra Pelada) na década de 1990 e da Guiana Francesa no início da década de 2000, os garimpeiros brasileiros estão começando a cruzar os rios Litani e Maroni rumo ao Suriname.

As invasões vêm crescendo, provocando atritos e confrontos. Em dezembro de 2009, uma disputa entre garimpeiros brasileiros e uma comunidade quilambola em Albina, cidade de cinco mil pessoas localizada na fronteira com a Guiana Francesa, terminou em um motim sangrento em que um shopping foi saqueado e dezenas de inocentes foram mortos. O motim de Albinanão indica um futuro melhor. Os garimpeiros brasileiros são notoriamente inimigos do meio ambiente pois poluem os cursos d'água. Mercúrio e cianeto são usados para coar o ouro mineral do restante do minério, com consequências devastadoras para a saúde para as comunidades quilambolas e indígenas, incluindo problemas neurológicos em bebês recém nascidos e leucemia.

Pela primeira vez na jovem história do Suriname, o conflituoso tema dos garimpeiros dominou a campanha presidencial no início deste ano. Medidas para forçar o cumprimento das leis ambientais contra os garimpeiros ilegais é urgente.

Facilitando o tráfico ilegal

A pavimentação de uma ligação direta entre o Suriname e o Brasil provavelmente aumentará o tráfico ilegal entre os dois países, ambos conhecidos por não conseguirem garantir o cumprimento de suas leis. O Suriname é frequentemente acusado de facilitação do tráfico de drogas e por fornecer embarque para o intercâmbio de armas e drogas. O país também tem sido cada vez mais usado como ponto de ligação entre a América do Sul e a Europa para tráfico de pessoas. Em muitos casos, o Brasil é o principal intermediário (de drogas), fabricante (de armas) e fornecedor (de prostituição) para essas commodities ou para estes comércios ilícitos.

De acordo com um relatório recente do Departamento de Estado Norte-Americano em relação ao tráfico de pessoas, "O Suriname é destino e ponto de passagem para homens, mulheres e crianças provenientes da República Dominicana, Brasil, Guiana, Colômbia, Haiti, Indonésia, Vietnã e China. São pessoas traficadas para exploração sexual e trabalho forçado". Além disso, o relatório argumenta que "O Suriname também é um país fornecedor de mulheres e crianças traficados para exploração sexual e trabalho forçado, assim como as mulheres comercializadas de outros países para trabalho escravo".

Durante uma conferência sobre tráfico humano, organizada pela Conferência Episcopal de Suriname em novembro 2010, sob liderança do Dom Wilhelmus de Bekker, a mesma conclusão foi tirada. No relatório final da conferência, a delegação surinamesa se comprometeu a ser mais proativa em cumprimento de leis nacionais e internacionais, e melhorar os mecanismos de proteção de suas fronteiras.

O cumprimento de leis continua sendo o calcanhar de Aquiles do Suriname. O Instituto Interamericano das Crianças alega em uma pesquisa recenteque os principais obstáculos do Suriname são "limitada capacidade institucional em níveis governamentais e não governamentais, falta de pessoal especializado e treinado, problemas de educação e falta de legislação apropriada". A pavimentação de uma rodovia transamazônica só iria acrescentar ainda mais pressão sobre as autoridades dos dois lados da fronteira.

Áreas em litígio

O Suriname tem em curso um longo conflito com seus vizinhos a leste e a oeste, envolvendo reivindicações territoriais. A Guiana Francesa reclama o domínio de uma área entre os rios Litani e Maroni. No fronteira oeste, o Suriname reivindica uma área triangular ao longo do rio Kutari em uma disputa histórica sobre as cabeceiras do rio Courantyne.

A Guiana está neste momento procurando mediação da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar para resolver esta questão. É improvável que uma estrada possa cruzar estas áreas em litígio. Apenas 15 quilômetros da fronteira do Brasil com o Suriname não passam por terras indígenas ou unidades de conservação.

O restante da fronteira do lado brasileiro é ocupada pelo Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, que tem quase o tamanho da Suíça. O parque é famoso pela grande quantidade de espécies endêmicas, incluíndo tartarugas de água doce e bicho-preguiça. A região é composta pelo Parque Indígena Tumucumaque, Terra Indígena Waiapi e Terra Indígena Rio Paru D'Oeste, além de outras quatro unidades de conservação: Floresta Nacional do Amapá, Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru, Estação Ecológica do Jarí e Reserva Extrativista do Rio Cajari.

Não resta dúvida que o asfaltamento de uma via, independentemente de sua rota exata, iria cruzar diversas áreas em litígio ou áreas de conservação, que por sua vez causaria danos ambientais, disputas legais e processos intermináveis.

Financiamento empresarial e multilateral controversos

Os negócios entre o Suriname e o Brasil já estão aumentando por causa da pavimentação da estrada sobre o rio Oiapoque, que liga o limite norte do Brasil no estado do Amapá à Guiana Francesa. A reconstrução da estrada Macapá-Caiena, co-financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, também aprimorará o comércio e o transporte entre Paramaribo e Belém. O asfaltamento faz parte da polêmica Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional da América do Sul (IIRSA).

Instituições financeiras privadas e bancos de investimento globais não serão ávidos por fornecer financiamento uma vez que são alérgicos a problemas em sua reputação e terão que consentir com os Princípios do Equador. Empreiteiras, no entanto, não dependem do humor e da boa vontade dos mercados internacionais pois o financiamento estará à disposição a partir de recursos públicos. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social do Brasil (BNDES), no governo da presidente eleita Dilma Rousseff, desenvolvimentista, já avisou que tem interesse em aumentar o financiamento de infraestrutura na bacia amazônica. Veículos de investimento chineses também estarão interessados em participar.

O fato de que a maioria do financiamento virá de recursos públicos e não privados faz o processo de investimento menos transparente e responsável. Credores brasileiros e chineses costumam se importar pouco com o meio ambiente, aproveitando-se do baixo nível de governança corporativa, frequentemente fechando os olhos para protestos civis. Geralmente o discurso multilateral em relação a construção de estradas sistematicamente superestima os benefícios e subestima os impactos. Vale ressaltar que as agências de financiamento deveriam estar totalmente cientes da natureza sinergética e dos efeitos colaterais negativos de seus investimentos.

Conclusão preliminar
O cenário mais provável é de que o planejamento de uma estrada transamazônica entre Paramaribo e Belém prossiga, conduzida pela visão desenvolvimentista do presidente Desi Bouterse e da presidente eleita do Brasil, Dilma Rousseff. Ambos têm uma agenda desenvolvimentista principalmente motivada por ganhos econômico e financeiros, menosprezando efeitos colaterais negativos no longo prazo. Ambos presidentes optaram claramente por um modelo de crescimento em que o Estado assume um papel predominante no planejamento econômico e sua execução. Seu principal argumento é que não há alternativas viáveis senão uma estrada e que aquela região não pode ter o direito do desenvolvimento negado.

Na minha opinião, entretanto, existem preocupações legítimas que as vantagens econômicas de curto prazo não pesam diante de uma multiplicidade de consequências negativas no longo prazo. Asfaltando parcialmente a floresta, o Suriname tem muito mais a perder do que a ganhar. O debate deveria, consequentemente, mudar e se focar nas alternativas à construção de uma estrada.

Alternativas viáveis
Em primeiro lugar, a proposta de uma estrada, que é facilitar o transporte na região, inclusive de fábricas na longínqua Zona Franca de Manaus, seria mais bem aproveitada através do aprimoramento de portos que já existem, como Paramaribo, Macapá e Belém. A Guiana Francesa está investindo milhões de seus euros na modernização portuária em Paramaribo e Macapá, já que sua capital Caiena não tem um porto profundo. Não existem argumentos econômicos plausíveis para justificar uma nova estrada.

Em segundo lugar, o Suriname tem posição privilegiada para ganhar com créditos de carbono de projetos de desmatamento evitado. Há argumentos econômicos e financeiros de que a floresta preservada tem mais valor do que os usos alternativos da terra. É necessário aumentar o conhecimento em níveis globais de que a gestão sustentável das florestas pode igualar ou até ultrapassar os ganhos econômicos do desmatamento. Há um bocado de oportunidades na área de gestão florestal sustentável, incluindo a criação de mais áreas protegidas, ecoturismo, extração sustentável de produtos madeireiros e não madeireiros, pagamento por serviços ambientais, economia do carbono e redução de emissões por desmatamento e degradação florestal (REDD). Esses mecanismos deveriam estar aptos a gerar fluxos financeiros suficientes para sustentar ou compensar comunidades ribeirinhas e extrativistas. Infelizmente, o seqüestro de carbono e projetos de desmatamento evitado têm até agora sido bancados apenas pelo mercado voluntário.

No momento, a contribuição monetária do setor floresta para as finanças públicas do Suriname é menor do que 3% do seu Produto Interno Bruto (PIB). A economia da floresta emprega menos de 4% da população e derivados de bens florestais e serviços somam menos de 1% de todas as exportações nacionais. A potencial produção florestal sustentável e serviços precisam crescer bem mais. Se a bacia amazônica e o Escudo Guianense são ativos globais pelos quais vale a pena preservar, então é razoável que os surinameses sejam pagos por seus esforços.

Em vez de financiar uma estrada controversa, agências multilaterais de desenvolvimento deveriam estar focadas em estratégias de longo prazo. Por exemplo, o Suriname merece assistência prioritária de financiamentos por parte do Banco Mundial, como o Forest Carbon Partnership Facility (FCPF) e seu Fundo Estratégico para o Clima (SCF). Lamentávelmente, esses mecanismos são relativamente pequenos com compromissos insuficientes para que se faça a diferença. No momento, existe uma séria incompatibilidade entre a urgência de ações para a gestão florestal sustentável e a disponibilidade de aporte financeiro dessas agências. Além do mais, organizações ambientalistas internacionais e agências de desenvolvimento multilaterais até agora não foram exitosas na criação efetiva de um mercado baseado em mecanismos para o pagamento por serviços ecossistêmicos.

Um debate mais amplo deveria envolver os mais recentes aprimoramentos na legislação internacional. O princípio da precaução, por exemplo, estabelece que se uma ação ou política possui um suspeito risco de causar dano para a população ou ao meio ambiente, então – na ausência de consenso científico de que a ação ou política é danosa – o entendimento de que ela não é prejudicial cai por terra. Este princípio de lei implica que existe uma enorme responsabilidade social para proteger a sociedade da exposição aos danos, quando investigações científicas encontram riscos plausíveis. Existem boas razões para argumentar que no caso da estrada, autoridades federais do Brasil e do Suriname deveriam aplicar o princípio da precaução como um pré-requisito estatutário.

Uma discussão pública mais ampla quanto ao desejo de se construir uma estrada é indispensável. Um grande passo na direção da solução da questão é geralmente perceber que existe algo sério em jogo. Não só as análises políticas e empresariais e de lideranças indígenas, mas também de jornalistas investigativos e bloggers têm uma missão extraordinariamente importante para levar conhecimento dos possíveis cenários. Indiferença e ignorância são os piores inimigos do progresso e do desenvolvimento.

Como recursos financeiros locais do Suriname são limitados, dotações empresariais e filantrópicas deveriam considerar bancar pesquisa e desenvolvimento. A única universidade surinamesa, a Universidade Anton de Kom, tem um excelente histórico de pesquisas. A universidade merece ser mais bem equipada para estudar e monitorar seu próprio quintal.

O Suriname é visivelmente ausente ou sub-representado no cenário internacional ambiental e diplomático, principalmente devido à falta de recursos humanos. No entanto, não dá para culpar só a capacidade diplomática do país. A proliferação de processos públicos e privados relacionados à floresta ou mudanças climáticas – de organizações como GEF, UNFCC, UNFF, COP, FAO-NFP, CBD e outros – provoca confusão e é pernicioso a nações pequenas como o Suriname. Esta confusão é trágica pois o Suriname deveria ser recompensado pois está protegendo suas reservas de carbono, salvaguardando seu santuário de biodiversidade, e por ser um país chamado de chamada alta cobertura florestal com baixo índice de desmatamento. A necessidade de ação é urgente já que a estrada Paramaribo – Belém pode potencialmente se tornar o maior e mais caro elefante branco da bacia amazônica.

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