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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Caminhando para o abismo: o que fazer em relação às mudanças climáticas do planeta? artigo de Noam Chomsky

Uma tarefa da Conferência sobre a Mudança Climática da ONU, que está sendo realizada em Durban, na África do Sul, é estender decisões políticas anteriores, que eram limitadas em alcance e aplicadas só parcialmente.

Essas decisões remontam à Conferência de 1992 da ONU e ao Protocolo de Kyoto de 1997, ao qual os Estados Unidos se recusaram a aderir. O primeiro período de compromisso do Protocolo de Kyoto termina em 2012. O clima mais ou menos geral pré-conferência foi capturado por uma manchete do “New York Times”: “Assuntos Urgentes, Mas Baixas Expectativas”.

Enquanto os representantes se reúnem em Durban, um relatório sobre um novo resumo atualizado de pesquisas realizadas pelo Conselho de Relações Exteriores e pelo Programa sobre Atitudes Políticas Internacionais (PIPA, sigla em inglês) revela que “as populações do mundo inteiro e dos Estados Unidos dizem que seus governos devem dar uma prioridade maior ao aquecimento global e apoiam vigorosamente ações multilaterais para tratar disso”.

A maioria dos cidadãos americanos concorda, embora a PIPA esclareça que a porcentagem “vem caindo nos últimos anos, de forma que a preocupação nos Estados Unidos é significativamente mais baixa que a média mundial – 70%, contra 84%”.

“Os americanos não percebem que há um consenso científico acerca da necessidade de uma ação urgente a respeito da mudança climática… Uma grande maioria pensa que será afetada pessoalmente alguma hora pela mudança climática, mas somente uma minoria crê que está sendo afetada agora, ao contrário da opinião da maioria em outros países. Os americanos tendem a subestimar o nível de preocupação entre outros americanos”.

Essas atitudes não são acidentais. Em 2009, as indústrias de energia, apoiadas pelos lobbies corporativos, lançaram grandes campanhas que levantaram dúvidas sobre o quase unânime consenso de cientistas sobre a gravidade da ameaça de aquecimento global induzido pelos seres humanos.

O consenso só é “quase unânime” porque não inclui os muitos especialistas que sentem que os avisos sobre aquecimento global não são fortes o suficiente, e o grupo secundário que nega por completo a validade da ameaça.

A cobertura padrão sobre a questão, na linha “ele disse/ela disse”, mostrando pontos de vista opostos, procura manter o que se chama de “equilíbrio”: a esmagadora maioria dos cientistas de um lado, e os negacionistas de outro. Os cientistas que emitem as advertências mais sombrias são amplamente ignorados.

Um efeito disso é que nem um terço da população americana acredita que haja um consenso científico a respeito da ameaça do aquecimento global – muito menos que a média mundial, e radicalmente inconsistente com os fatos.

Não é segredo que o governo dos Estados Unidos está ficando para trás no que diz respeito aos assuntos climáticos. “O mundo inteiro tem criticado em grande parte a forma como os Estados Unidos estão lidando com o problema da mudança climática”, de acordo com a PIPA. “Em geral, os Estados Unidos têm sido vistos como o país que teve o efeito mais negativo sobre o ambiente no mundo, seguido pela China. A Alemanha recebeu as melhores classificações”.

Para se ter uma perspectiva sobre o que está acontecendo no mundo, às vezes é útil adotar a posição de observadores extraterrestres inteligentes que contemplam os estranhos acontecimentos na Terra. Observariam, assombrados, que o país mais rico e poderoso na história do planeta agora encabeça os lemingues em sua alegre caminhada para o precipício.

No mês passado, a Agência Internacional de Energia, formada em 1974 por iniciativa do secretário americano de Estado Henry Kissinger, emitiu seu relatório mais recente sobre o acelerado aumento das emissões de carbono provenientes do uso de combustível fóssil.

A AIE calculou que se o mundo continuar no ritmo atual, o “orçamento de carbono” terá se esgotado em 2017. O orçamento é a quantidade de emissões que pode manter o aquecimento global em um nível de 2 graus Celsius, considerado o limite de segurança.

O economista-chefe da AIE, Fatih Birol, disse: “A porta está se fechando… Se não mudarmos a direção agora em relação a como usamos a energia, acabaremos além do mínimo (para segurança) dado pelos cientistas. A porta se fechará para sempre”.

Também no mês passado, o Departamento de Energia americano informou os números das emissões para 2010. As emissões “aumentaram para a maior quantidade registrada até agora”, relatou a Associated Press, o que significa que “os níveis de gases de efeito estufa estão mais elevados do que a pior situação possível” prevista pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas em 2008.

John Reilly, codiretor do programa sobre mudança climática do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), disse à AP que os cientistas consideram, em geral, que as previsões do IPCC são conservadoras demais – diferentemente do pequeno grupo de “negacionistas” que atraem a atenção do público. Reilly relatou que a pior situação possível prevista pelo IPCC estava mais ou menos na metade dos cálculos feitos pelos cientistas do MIT sobre os possíveis resultados.

Enquanto esses relatórios agourentos eram revelados, o “Financial Times” dedicou uma página inteira às expectativas otimistas de que os Estados Unidos poderiam se tornar independentes em energia por um século, com novas tecnologias para extrair combustíveis fósseis norte-americanos.

Embora as projeções sejam incertas, informa o “Financial Times”, os Estados Unidos podem “passar por cima da Arábia Saudita e da Rússia para se tornar o maior produtor mundial de hidrocarbonetos líquidos, contando tanto o petróleo bruto quanto os líquidos de gás natural”.

Nessa feliz eventualidade, os Estados Unidos poderiam esperar manter sua hegemonia global. Além de alguns comentários sobre o impacto ecológico local, o “Financial Times” nada disse sobre que tipo de mundo surgiria dessas empolgantes perspectivas. A energia é para ser queimada; dane-se o ambiente global.

Praticamente todos os governos estão tomando pelo menos passos hesitantes para fazer algo acerca da catástrofe que se aproxima. Os Estados Unidos estão na liderança – só que no retrocesso. A Câmara dos Representantes dos EUA, dominada pelos republicanos, agora está desmantelando as medida ambientais introduzidas por Richard Nixon, que em muitos aspectos foi o último presidente liberal.

Esse comportamento reacionário é um dos vários sinais da crise da democracia americana na última geração. A distância entre a opinião pública e a política pública cresceu até virar um abismo em assuntos centrais do debate público atual, como o déficit e o desemprego. No entanto, graças à ofensiva propagandística, a distância é menor do que deveria ser no assunto mais sério da agenda internacional hoje em dia – e possivelmente na história.

Pode se perdoar os hipotéticos observadores extraterrestres se estes chegarem à conclusão de que aparentemente estamos infectados por algum tipo de loucura letal.

Tradução: Lana Lim

Artigo de La Vanguardia, no UOL Notícias.

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